domingo, 18 de outubro de 2009

UNIÃO DE FACTO E SUA EVOLUÇÃO

A União de Facto: Evolução.



Preâmbulo



Pretende-se com o presente trabalho realizar uma análise da evolução do instituto jurídico da união de facto em Portugal. Análise forçosamente ligeira, porque o autor não possui talento, nem tem a disponibilidade para realizar um trabalho que se pudesse pretender exaustivo. São muitos os pormenores, os problemas, as questões que os singelos onze artigos da Lei 7/2001, de 11 de Maio, nos levantam e que pelos limites do trabalho não poderemos focar.

Por opção, não se abordará as questões relacionadas com o direito internacional privado e o reconhecimento das uniões de facto estrangeiras na nossa ordem jurídica. Sobre esta temática, existem alguns trabalhos muito interessantes, dos quais salientamos um artigo publicado na Revista da Ordem dos Advogados de Abril de 1999, da autoria de Sofia Oliveira Pais e de António Frada de Sousa, bem como um livro de Geraldo da Cruz Almeida, intitulado "Da União de Facto, Convivência More Uxorio em Direito Internacional Privado".

Pensámos que seria útil iniciar com uma noção de união de facto, distinguindo-a de outros conceitos, antes de nos referirmos às disposições legais que ao longo dos tempos se referiram à união de facto.

Seguidamente, analisámos aspectos da Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, entretanto revogada, mas que introduziu a primeira sistematização da matéria em análise no direito português. Simultaneamente, interpretamos a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, actualmente em vigor, nalguns dos seus aspectos mais importantes. Decidimos analisar estas leis em simultâneo, porque não existe uma grande mudança nos seus artigos que justifique a análise em capítulos diferentes.

Por fim, questionamos o futuro deste instituto, tentando perceber qual será a sua evolução.

Tanto quanto fomos capazes, esforçámo-nos por ter sempre presente um espírito crítico na interpretação das disposições legais que possibilitasse realizar, neste trabalho, algo mais do que uma cronologia dos normativos, doutrina e jurisprudência atinentes às uniões de facto.



Noção de união de facto



Tanto a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, como a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, não nos apresentam uma noção de união de facto. Certamente, porque o nosso legislador considerou desnecessária a definição de um conceito jurídico para uma situação de facto constatada pela sociedade e que se consubstancia numa convivência de habitação conjugada com a existência de relações sexuais a que a doutrina designa de comunhão de leito, mesa e habitação.

Estamos perante uma realidade semelhante ao casamento, mas que não respeitou os requisitos de validade exigidos para este.

Pensamos ser útil apresentar uma pequena distinção entre casamento, união de facto e economia comum.

Assim, podemos definir casamento como um contrato entre pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família tendo em vista uma plena comunhão de vida no plano pessoal e, com excepção feita ao casamento em regime de separação de bens, também patrimonial.

Diferentemente, a união de facto não implica a existência de qualquer contrato escrito, podendo ser realizada com pessoas do mesmo sexo, não sendo fonte de relações familiares entre os seus membros e, consoante as perspectivas, podendo ou não estabelecer-se uma plena comunhão de vida[i] no plano pessoal, mas nunca no plano patrimonial.

A união de facto, nos termos do artigo 1576º do Código Civil, não é uma relação familiar, uma vez que estas nascem apenas do casamento, parentesco, afinidade e da adopção. Contudo, esta não é uma posição unânime na doutrina nacional. Os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira partilham da opinião que a união de facto é uma relação familiar. Baseiam este seu pensamento no artigo 36º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa por este estabelecer que “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira classificam a união de facto como uma relação parafamiliar.

A divergência entre os constitucionalistas referidos e a maioria da doutrina e jurisprudência portuguesas reside no facto de aqueles atribuírem relevância ao facto de no texto do artigo 36º, n.º1 da CRP se conceder o direito de constituir família antes do direito de contrair casamento, pelo que concluem ser possível a constituição de família fora do casamento, nomeadamente através das uniões de facto.

Na união de facto, as pessoas vivem em comunhão de habitação, mesa e leito. Distingue-se do concubinato duradouro, por neste não existir a comunhão de mesa e de habitação, mesmo na situação de os concubinos possuírem uma casa onde se costumem encontrar.

A economia comum, por sua vez, e ao invés do que acontece com a união de facto, vem definida no diploma legal que a reconhece e lhe concede medidas de protecção. Assim, no artigo 2º da Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, estabelece-se que a economia comum é a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos.

Temos que na economia comum o número de pessoas não está limitado a duas e que não se exige, embora possa existir, um relacionamento sexual entre os seus membros. Os seus requisitos fundamentais são o viverem na mesma casa, suportando em conjunto as despesas atinentes à habitação e alimentação e, ainda, o facto de um dos seus membros ser maior de idade (artigo 2º, n.º2, da Lei n.º 6/2001). Em nosso entender, o requisito da maioridade não se compreende, podendo eventualmente ser inconstitucional por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. Embora, possamos ser acusados de fugir ao tema proposto neste trabalho, pensamos útil fundamentar “ao de leve” esta nossa consideração.

Temos dificuldade em aceitar que o legislador permita que um cidadão trabalhe, conquistando independência económica, a partir dos 16 anos, mas não lhe reconheça a possibilidade de organizar, partilhando, a sua vida numa situação de economia comum com outros menores maiores de 16. A economia comum, como o próprio nome o indica, mais não é do que uma micro-organização económica. Aliás, para sermos rigorosos, a lei não proíbe as economias comuns de menores, apenas não lhe atribui direitos. A exigência de maioridade a um dos membros da economia comum, para que esta possa usufruir dos direitos consagrados, não retira a menoridade aos outros, e significa que um conjunto de menores, todos maiores de 16, não podem usufruir de direitos legítimos que são atribuídos a concidadãos de iguais características, mas que possuem na sua economia comum um indivíduo maior de idade. Parece-nos uma clara inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade. Recorde-se que a doutrina e jurisprudência constitucionais concebem a violação do princípio da igualdade como uma “discriminação arbitrária, desprovida de fundamento ou justificação racional”.

Acresce que, para cúmulo, o legislador reconhece uma união de facto entre dois menores, desde que maiores de 16 anos, pelo que a ratio legis não estará numa maturidade física ou psíquica dos seus membros. Mas por mais que se reflicta, não somos capazes de a encontrar!... Defeito nosso, provavelmente.

Veja-se que na união de facto temos todos os requisitos da economia comum, dispensando-se a maioridade, e ainda exigindo-se um requisito sexual. Pelo que o natural seria ser-se mais exigente nos impedimentos de uma união de facto do que nos impedimentos de uma situação de economia comum.



A união de facto antes da Lei n.º135/99, de 28 de Agosto



Antes de se publicar a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, não existia qualquer sistematização jurídica relativa à união de facto no nosso país. Existiam normas em diplomas avulsos que atribuíam um ou outro direito/restrição a quem vivesse em condições análogas às dos cônjuges. A quase totalidade destas ainda estão em vigor, até porque a Lei n.º 135/99 e a Lei n.º 7/2001, nos seus n.º2 do artigo 1º estabeleceu que nenhuma das suas normas prejudicaria a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto.

Assim, antes de 28 de Agosto de 1999, encontrávamos normas aplicáveis à união de facto como:



Constituição da República Portuguesa:

Artigo n.º 26º, n.º 1 (revisão de1997)

A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.



Artigo 36º, n.º 4 – Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.





Código Civil:

Artigo 495, n.º3 - Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.



Artigo 953º

É aplicável às doações, devidamente adaptado, o disposto nos artigos 2192º a 2198º.



Artigo 1111º (versão da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, revogada pelo Decreto-lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro)

2 - No caso de o primitivo inquilino ser pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, a sua posição também se transmite, sem prejuízo do disposto no número anterior, àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de 5 anos em condições análogas às dos cônjuges.

3 - A transmissão da posição de inquilino, estabelecido nos números anteriores, defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo;

b) Aos parentes ou afins na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau ulterior;

c) À pessoa mencionada no n.º 2.



Artigo 1691º (por analogia)

1. São da responsabilidade de ambos os cônjuges:

b) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar;



Artigo 1871º, n.º1, alínea c) [na versão de 1966 era o art. 1860º, n,º1, c)]

1. A paternidade presume-se:

c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;



Artigo 1911º, n.º3 - Se os progenitores conviverem maritalmente, o exercício do poder paternal pertence a ambos quando declarem, perante o funcionário do registo civil, ser essa a sua vontade; é aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1901º a 1904º.



Artigo 2020, n.º1 - Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º.



Artigo 2196º

1. É nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério.

2. Não se aplica o preceito do número anterior:

a) Se o casamento já estava dissolvido, ou os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e bens ou separados de facto há mais de seis anos, à data da abertura da sucessão;

b) Se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário.





Código de Processo Civil

Artigo 122º, n.º 1 - 1 – Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária:

i) Quando esteja em situação prevista nas alíneas anteriores pessoa que com o juiz viva em economia comum.



Artigo 618º

1 – Podem recusar-se a depor como testemunhas, salvo nas acções que tenham como objecto verificar o nascimento ou o óbito dos filhos:

d) Quem conviver, ou tiver convivido, em união de facto em condições análogas às dos cônjuges com alguma das partes na causa.





Código Penal:

Artigo 152º, n.º2 - A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos.



Artigo 207º - No caso do artigo 203º e do n.º 1 do artigo 205º, o procedimento criminal depende de acusação particular se:

a) O agente for cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2º grau da vítima, ou com ela viver em condições análogas às dos cônjuges;





Código de Processo Penal:

Artigo 68º, n.º1 - Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:

c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, os descendentes e adoptados, ascendentes e adoptantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes e a pessoa que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, salvo se algumas destas pessoas houver comparticipado no crime;





Regime do Arrendamento Urbano

Artigo 85º (redacção anterior à Lei n.º 135/99, 28 de Agosto)

1 – O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:

e) Pessoa que com ele viva há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens.





Decreto-lei n.º 420/76, de 28 de Maio

Artigo 1.º

1. Gozam do direito de preferência relativamente a novo arrendamento para habitação, no caso de caducidade do anterior por morte do respectivo titular, ainda que não fosse o primitivo arrendatário, e sucessivamente:

a) O subarrendatário;

b) As pessoas a que se refere o artigo 1109.º do Código Civil, desde que coabitem com o titular do arrendamento caducado há mais de cinco anos.

2. Sendo várias as pessoas nas condições referidas na alínea b) do número anterior, o direito de preferência caberá, em primeiro lugar, às que viviam com o arrendatário em economia comum e, dentro de cada categoria, às que com ele viviam ou coabitavam há mais tempo.

3. Em igualdade de condições, o direito de preferência, dentro de cada uma das categorias referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1109.º do Código Civil, deferir-se-á, sucessivamente, ao parente mais próximo, ao afim mais próximo, à pessoa mais idosa de entre os que, por força da lei ou de negócio jurídico que não respeite directamente à habitação, convivam obrigatoriamente com o arrendatário ou dele recebam alimentos e ao hóspede mais idoso.







Regime do Arrendamento Rural

Artigo 23.º

1 - O arrendamento rural não caduca por morte do arrendatário, transmitindo-se ao cônjuge sobrevivo, desde que não divorciado ou separado judicialmente ou de facto, àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges e a parentes ou afins, na linha recta, que com o mesmo viviam habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo.

2 - A transmissão a que se refere o número anterior defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo;

b) Aos parentes ou afins da linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais remoto;

c) À pessoa que vivia com o arrendatário há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges.

4 - Pode haver duas transmissões mortis causa nos termos do número anterior ou apenas uma quando a primeira transmissão se operar a favor das pessoas referidas nas alíneas b) e c) do n.º 2.





Regime do Arrendamento Florestal

Artigo 19º

2 - O mesmo arrendamento não caduca por morte do arrendatário, transmitindo-se ao cônjuge sobrevivo não separado de pessoas e bens ou de facto, àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges e a parentes ou afins na linha recta que com ele vivessem em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há pelo menos dois anos.

3 - A transmissão a que se refere o número anterior defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo;

b) Aos parentes ou afins na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado;

c) À pessoa que vivia com o arrendatário há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges.





Decreto-lei n.º 874/76, 28 de Dezembro (Lei das férias, feriados e faltas)

Artigo 8º, n.º 5 – Salvo se houver prejuízo grave para a entidade empregadora, devem gozar férias no mesmo período os cônjuges que trabalhem na mesma empresa ou estabelecimento, bem como as pessoas que vivam há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.



Artigo 24º - 1 – Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, o trabalhador pode faltar justificadamente:

a) Até cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1º grau da linha recta;

b) Até dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim da linha recta ou 2º grau da linha colateral.

2 – Aplica-se o disposto na alínea b) do número anterior ao falecimento de, pessoas que vivam em comunhão de vida e habitação com os trabalhadores.





Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Reg. Jur. dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais)

Artigo 17º, n.º 2 – As indemnizações são devidas enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional; mas serão reduzidas a 45% durante o período de internamento hospitalar ou durante o tempo em que correrem por conta da entidade empregadora ou seguradora as despesas com assistência clínica e alimentos do mesmo sinistrado, se este for solteiro, não viver em união de facto ou não tiver filhos ou outras pessoas a seu cargo.



Artigo 20º, n.º1 - Se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes:

a) Ao cônjuge ou a pessoa em união de facto: 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;

3 – Qualquer das pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que contraia casamento ou união de facto receberá, por uma só vez, o triplo do valor da pensão anual, excepto se já tiver ocorrido a remição total da pensão.



Artigo 21º

1 – As pensões referidas no artigo anterior são acumuláveis, mas o seu total não poderá exceder 80% da retribuição do sinistrado.

2 – Se as pensões referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior adicionadas às previstas nas alíneas a), b) e c) excederem 80% da retribuição do sinistrado, serão as prestações sujeitas a rateio, enquanto esse montante se mostrar excedido.



Artigo 22º

1 – O subsídio por morte será igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sendo atribuído:

a) Metade ao cônjuge ou à pessoa em união de facto e metade aos filhos que tiverem direito a pensão nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 20º;

b) Por inteiro ao cônjuge ou pessoa em união de facto, ou aos filhos previstos na alínea anterior, não sobrevivendo, em simultâneo, cônjuge ou pessoa em união de facto ou filhos.





Código Cooperativo, de 7 de Setembro de 1996

Artigo 42º, n.º 2 – Não podem ser eleitos para o mesmo órgão social de cooperativas com mais de 20 membros ou ser simultaneamente membros da direcção e do conselho fiscal os cônjuges e as pessoas que vivam em união de facto.





Código de Procedimento Administrativo (DL n.º442/91, 15/11 alterado pelo DL n.º6/96, 31/1)

Artigo 44º, n.º1 – Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos:

b) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta ou até ao 2º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;

g) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas.





Decreto-lei n.º 413/93, de 23 de Outubro

Artigo 6º

1 - Considera-se equiparado ao interesse dos titulares de órgãos, funcionários e agentes, nas situações previstas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, o interesse:

a) Do seu cônjuge, não separado de pessoas e bens, dos seus ascendentes e descendentes em qualquer grau e dos colaterais até ao 2.º grau, bem como daquele que com ele viva nas condições do artigo 2020.º do Código Civil;





Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro (Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local)

Artigo 52.º, n.º 1 - O arguido e o participante poderão deduzir a suspeição do instrutor do processo disciplinar com qualquer dos fundamentos seguintes:

b) Se o instrutor for parente na linha recta ou até ao terceiro grau na linha colateral do arguido, do participante, ou de qualquer funcionário, agente ou particular ofendido, ou de alguém que com os referidos indivíduos viva em economia comum;



Para além destas normas ainda existem outras destinadas a proteger a união de facto que podemos encontrar nos seguintes diplomas:

- Decreto-lei n.º 142/73, de 31 de Março, alterado pelo Decreto-lei n.º71/97, de 3 de Abril;

- Decreto-lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-lei n.º178/95, de 26 de Julho e pelo Decreto-lei n.º 101-A/96, de 26 de Julho;

- Decreto-lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-lei n.º215/95, de 3 de Agosto;

- Decreto-lei n.º 322/90, de 18 de Outubro;

- Decreto-lei n.º223/95, de 8 de Setembro;

- Lei n.º 19-A/96, de 29 de Junho;

- Decreto-lei n.º133/97, de 30 de Maio;


A jurisprudência abordou por diversas vezes a questão da união de facto, reconhecendo, via de regra, alguns efeitos jurídicos mormente de assistência social e garantia de habitação.

É disto exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Novembro de 1985, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 351, pág. 429 e que se transcreve parcialmente:



“I – A Constituição da República Portuguesa – artigo 36º, n.º 1 – apenas quis reconhecer aos cidadãos o direito de constituírem família independentemente do casamento, atribuindo à "união de facto" alguns efeitos jurídicos, sem equiparar as duas figuras jurídicas.

II – A consagração pontual de determinados efeitos jurídicos da "união de facto" não pode ser aceite como afloramento de um princípio geral na nossa ordem jurídica, reconhecido por uma norma hierárquica superior, de equiparação de "união de facto" ao casamento.

III – O legislador, muito cautelosamente, tem vindo a estender à "união de facto" alguns efeitos jurídicos que se situam, porém, somente no âmbito da assistência social, direito a alimentos e garantia de habitação.”



Outro exemplo é o Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 1985, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º357, pág. 476:



“No caso de regulação do poder paternal entre pais não casados entre si, é legalmente possível, olhando, nomeadamente, aos interesses dos filhos de ambos, a transmissão do direito ao arrendamento de um para outro, independentemente do consentimento do senhorio.”



Ou relativo ao direito de alimentos, o Acórdão do STJ de 18 de Março de 1986, publicado no BMJ n.º 355, pág. 392:



“I – A convivência análoga à dos cônjuges, referida no n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil, não exige que o companheiro falecido não fosse casado ou que estivesse separado judicialmente de pessoas a bens.

II – O direito a alimentos conferido na mesma disposição só exige, quanto à falta de vínculo conjugal ou à sua suspensão por separação judicial de pessoas e bens por parte do companheiro falecido, que qualquer destes estados se verificasse no momento da sua morte.”



Para um conhecimento mais profundo da nossa jurisprudência relativa à união de facto, poder-se-á consultar o anexo I deste trabalho.



A doutrina, acima de tudo, abordava o tema da união de facto lateralmente, via de regra algumas páginas ou apenas parágrafos em livros de direito da família ou em artigos de revistas jurídicas. Poucos os textos dedicados exclusivamente à união de facto. Estes poucos quase sempre numa perspectiva de direito internacional privado. E é natural que assim fosse, pois não havia uma sistematização jurídica em Portugal sobre as uniões de facto, mas já existia noutros países, nomeadamente nos países da Europa do Norte, Escandinavos e na Holanda.




A união de facto após a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto







Relevância jurídica da união de facto





Na Lei n.º 135/99, só as relações heterossexuais tinham relevância jurídica. Nenhum dos efeitos jurídicos se aplicava às uniões homossexuais. Hoje, na vigência da Lei n.º 7/2001, já não é assim. Os efeitos jurídicos verificam-se quer as uniões sejam heterossexuais, quer sejam homossexuais.

O nosso ordenamento jurídico atribui relevância jurídica às uniões de facto que tenham alguma estabilidade, durabilidade. Definiu o legislador na Lei n.º 135/99, o que manteve na Lei n.º 7/2001, que a união de facto só teria relevância jurídica se subsistisse há mais de dois anos.

Esta disposição legal veio, de alguma forma, uniformizar o critério para o reconhecimento e atribuição de direitos. É que, anteriormente, existiam disposições que exigiam durações diferentes da relação: 1 ano (rendimento mínimo garantido), 2 anos (benefício de faltas para o tratamento ambulatório do companheiro(a)) ou 5 anos (transmissão de arrendamento em caso de morte do primitivo arrendatário).

Pensamos, contudo, que as disposições legais que estabeleçam prazos diferentes a “há mais de dois anos” mantêm-se inalteradas, por força do disposto no artigo 1º, n.º 2 da Lei n.º 135/99 e da Lei n.º 7/2001. Acreditamos é que para o futuro o legislador atenderá ao critério estabelecido para legislar nesta matéria. Isto, para além de já ter corrigido, nomeadamente, o artigo 85º do RAU, passando de “há mais de 5 anos” para “há mais de dois anos”.

Questão importante é saber como é que se pode provar a existência da relação em união de facto por um período superior a dois anos, se não existe, como no casamento, um registo civil de onde se possa extrair uma certidão.

Esta é uma questão interessante, porque revela um dos problemas que se poderão levantar com as uniões de facto e a actual legislação.

Assim, tanto a Lei n.º 135/99 como a Lei n.º 7/2001 nada dizem a este respeito e, apesar de o artigo 9º da Lei n.º 7/2001 conter uma disposição em que a Assembleia da República atribui ao Governo a função de publicar, no prazo de 90 dias, os diplomas regulamentares das normas da presente lei que de tal careçam, estes diplomas nunca foram publicados. E os 90 dias há muito que passaram... Disposição semelhante também existia na Lei n.º 135/99 onde se constatou a mesma inércia legislativa.

Pelo que, e por enquanto, a resposta a esta questão encontrar-se-á nas normas gerais sobre provas.

Em nosso entender, a prova de que uma união de facto dura há mais de dois anos far-se-á, conforme os casos, através de testemunhas ou através de uma mera declaração, sob o compromisso de honra, dos unidos de facto. Ora, esta solução parece-nos evidente, uma vez que não existem registos de uniões de facto nas Conservatórias do Registo Civil, como acontece com o casamento, nem as Câmaras Municipais passam certificados comprovativos da existência da união como se verifica em Espanha e França.

Nem nunca poderão existir registos obrigatórios à semelhança do casamento!!! É nossa convicção que se se exigissem registos obrigatórios das uniões de facto, estas transformar-se-iam em uniões de direito e não de facto. Quem se une de facto, fá-lo por não querer unir-se de direito. Se se exige um registo, estamos a obrigar um casal a assumir juridicamente uma relação que não pretende juridicamente assumida. Será um contra-senso.

Outra solução plausível seria o recurso a uma acção judicial para que o Tribunal declarasse a existência da união de facto – acção de simples apreciação positiva. Com a sentença, os unidos de facto poderiam provar que a sua união teria uma duração superior a dois anos ou que a sua relação se iniciara em determinado dia. Contudo, esta solução poderá ser perigosa, porque permite aproveitamentos de um dos unidos de facto, mesmo após uma separação do casal. Nada impediria o ex-unido de facto de apresentar a sentença, sem conhecimento do(a) ex-companheiro(a), para provar junto de terceiros que vive em união de facto, enganando-os e causando-lhes graves prejuízos. Não apreciamos esta solução e pensamos que deveria existir um diploma regulamentar da Lei n.º 7/2001 que proibisse tal procedimento e que estabelecesse a obrigatoriedade de a prova da união de facto se concretizar em cada momento que seja necessária, mediante declaração dos unidos de facto.

Também reconhecemos que provando-se a união através de testemunhas ou de declaração dos unidos de facto, abre-se a possibilidade de o casal, individual ou colectivamente, prestar falsas declarações às Finanças, à Segurança Social, ao Estado, à entidade patronal e ao senhorio para poder beneficiar dos direitos atribuídos pela lei às uniões de facto em matéria de impostos sobre o rendimento, pensões, férias, feriados, faltas, licenças e preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública, contrato de arrendamento, e sucessões [no caso de morte do(a) companheiro(a)].

Todavia, o facto de se exigir uma declaração dos dois companheiros, em cada momento em que se pretenda usufruir dos direitos atribuídos às uniões de facto, implica a participação de ambos, ao contrário de uma sentença que pode ser usada unilateralmente e à revelia do outro.

Também existe doutrina que sugere, igualmente, a realização de escrituras notariais ou declarações de Juntas de Freguesia para comprovar a existência de uniões de facto.







Impedimentos para a atribuição de efeitos jurídicos às uniões de facto





Os impedimentos no que concerne à atribuição de efeitos às uniões de facto são os mesmos na Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto e na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio. A alteração existente resume-se a questões linguísticas.

Assim, temos como impeditivos da produção de efeitos jurídicos previstos nestas leis a idade inferior a 16 anos; a demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica; o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens; o parentesco na linha recta ou no 2º grau da linha colateral ou afinidade na linha recta; e a condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra cônjuge do outro.

As relações entre pessoas previstas no artigo 2º de ambas as leis são uniões de facto. Não há lei nenhuma capaz de separar factualmente o que as pessoas de facto, na realidade, unem. Contudo, estas uniões de facto não usufruem de direitos estipulados nesta lei. Os seus titulares, mesmo vivendo há mais de 2 anos em união, não têm direito a ver produzidas nas suas esferas jurídicas os efeitos previstos no artigo 3º, 7º e na lei geral por remissão do artigo 1º, n.º 2, todos da Lei n.º7/2001.

É importante realçar que este artigo 2º deve ser sujeito a uma interpretação restritiva. É compreensível que o legislador não atribua os direitos previstos na lei, mas seria incompreensível, injusto e irresponsável ilibar os unidos de facto das responsabilidades, dos deveres, emergentes dessa união. Veja-se a título de exemplo na injustiça que seria a não presunção de paternidade, se durante o período de concepção a união de facto subsistisse.

Às uniões de facto excluídas pelo artigo 2º da Lei n.º 7/2001, aplicar-se-á a Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, que versa sobre as relações de pessoas que vivam em economia comum, desde que esta persista há mais de 2 anos (art. 1º, n.º 1, da Lei n.º6/2001). Ideia esta reforçada pelo teor do n.º 3 do artigo 1º da Lei n.º 6/2001.

Pensamos interessante abordar alguns pontos referentes a estes impedimentos.

Assim, quanto à idade mínima de 16 anos para a atribuição de efeitos à união de facto, é curioso notar que da conjugação dos artigos 2º, alínea a) e n.º 1 do artigo 1º (...há mais de dois anos) da Lei n.º 7/2001 se deduz que a nossa ordem jurídica atribui direitos a uniões iniciadas em violação de normas imperativas da nossa legislação, isto é, reconhece direitos a uniões de facto que se tenham iniciado com membros de 14 ou 15 anos de idade. O que contrasta com os artigos 172º, 173º e 174º do Código Penal que penalizam este tipo de relações sexuais com pena de prisão. Parece-nos uma incoerência do sistema.

No que concerne à demência notória , mesmo nos intervalos lúcidos, há alguma doutrina que defende a desnecessidade da referência na lei aos intervalos lúcidos, uma vez que a união de facto é uma situação contínua e, por isso, não há, como no casamento, um momento lúcido em que o unido de facto possa manifestar a sua vontade de viver em união. Para a união de facto produzir efeitos a manifestação da vontade terá de ser contínua por mais de dois anos.

Questão interessante é analisar o que acontece a uma união de facto com mais de dois anos, pelo que atribuidora de efeitos jurídicos, se um dos membros se tornar entretanto demente, interdito ou inabilitado por anomalia psíquica. Deixa de produzir efeitos por força do artigo 2º da Lei n.º 7/2001 ou o companheiro do demente, interdito ou inabilitado por razões psíquicas goza de direitos adquiridos?

Na linha de pensamento de França Pitão, entendemos que a demência de um dos unidos de facto não impede que a união produza efeitos jurídicos, assegurados que estejam os requisitos legais previstos no artigo 1º, n.º 1, da Lei n.º 7/2001, isto é a convivência em união de facto há mais de dois anos.

Outro impedimento é o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens. O objectivo deste impedimento não é, como no casamento, evitar a bigamia. Tão só a defesa da moralidade. Assim pensa França Pitão com quem concordamos. A lei, ao não atribuir efeitos jurídicos a uma união de facto sem que haja uma separação judicial de pessoas e bens, pretende que o cônjuge separado de facto e que viva em união de facto regularize a situação, se não através de um divórcio, pelo menos através de uma separação judicial de pessoas e bens. Desta forma evitar-se-ão conflitos de interesses e de direitos entre cônjuge e unido de facto, por exemplo quanto ao direito a usufruir de pensão de preço de sangue ou por morte resultante de acidente de trabalho.

Temos, ainda, como impedimento o parentesco na linha recta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha recta. As razões são evidentes. Umas de ordem eugénica, outras de ordem moral e social. O parentesco é impedimento para evitar o nascimento de crianças com malformações, e também porque a sociedade condena este género de relação. Na afinidade não existe o problema da malformação de crianças, mas subsiste a questão moral e social.

Aqui, em ambas as leis, o legislador esqueceu-se de impedir os efeitos jurídicos da união de facto entre adoptante e adoptados. O que é, a nosso ver, grave. As razões de ordem moral e social acima referidas para o parentesco e a afinidade, mantêm-se na adopção. As razões de ordem eugénica mantêm-se para os parentes biológicos do adoptado. Pensamos que numa futura alteração legislativa, esta situação merece ser revista.

Por fim, o último dos impedimentos previstos é a condenação anterior de uma das pessoas em união de facto como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro. A lei prevê o impedimento apenas se existir uma condenação no momento em que as pessoas se unem de facto. Se o membro da união de facto ainda for arguido, não existe impedimento à produção de efeitos jurídicos da união de facto, como não existirá enquanto a sentença condenatória não tiver transitado em julgado. Só a união de facto iniciada depois do trânsito em julgado da condenação é que cria o impedimento.

O unido de facto terá de ser condenado como autor ou cúmplice, não se exigindo a consumação do crime, pelo que a tentativa é punível.

Depois, terá de haver dolo directo, necessário ou eventual, não se bastando a negligência para se produzir o impedimento.







Efeitos da união de facto





Segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, o facto de a Lei n.º7/2001 se destinar a uniões de facto, independentemente do sexo, não quer isto dizer que todos os seus efeitos se apliquem a todas as uniões de facto, sejam heterossexuais ou homossexuais.

Para além do artigo 7º que se dedica à adopção, e que expressamente afirma não se aplicar a uniões de facto homossexuais, a heterossexualidade é condição de eficácia dos efeitos que exigem, por natureza, a diversidade sexual, como por exemplo os dos artigos 1911º, n.º 3 e 1871º, n.º 1, al. c) do Código Civil.

Na óptica destes dois insignes professores, só se aplicam às uniões de facto homossexuais os efeitos constantes dos artigos 3º e 5º da Lei n.º 7/2001. A explicação para tal interpretação poder-se-á resumir, cremos que sem deturpação, no facto de o legislador que criou ao longo dos tempos normas protectoras das uniões de facto, nunca ter previsto uniões homossexuais, pelo que não haverá legitimidade para, hoje, atribuirmos os direitos previstos a uniões heterossexuais às uniões de facto homossexuais.

Reconhecendo valor à posição dos professores de Coimbra, não percebemos por que não se haverá de realizar uma interpretação correctiva dessas normas que mantenha a unidade do sistema jurídico tendo em conta as condições específicas do tempo em que são aplicadas, de acordo com o artigo 9º do Código Civil.

Confessamos que a interpretação da expressão «condições análogas às dos cônjuges» quando aplicada a uma realidade homossexual levantou-nos algumas dúvidas.

Será que um casal homossexual unido de facto vive em situação análoga, idêntica, semelhante à de um casal heterossexual casado? Da resposta a esta questão depende a atribuição ou não, aos unidos de facto homossexuais, das medidas de protecção previstas na Lei n.º 7/2001.

Para Antunes Varela e Pires de Lima, a expressão «condições análogas às dos cônjuges» significa que os “companheiros não só mantêm notoriamente relações de sexo, mas vivem também de casa e pucarinho um com o outro, com comunhão de mesa, leito e habitação, como se fossem de facto cônjuges um do outro” (itálico dos autores). Estes autores ainda dizem que não é “necessário (...) a convicção, por parte do público, de que os companheiros são casados”.

Também, a jurisprudência já definiu o conceito de «condições análogas às dos cônjuges», nomeadamente no acórdão do STJ de 5 de Junho de 1985, publicado no BMJ n.º 348, pág. 428 e seguintes, “esquecendo-se” da necessidade de comunhão de habitação. Já definiu correctamente o conceito em causa no acórdão do STJ de 21 de Novembro 1985, publicado no BMJ, n.º 351, pág. 429 e seguintes, abarcando aquela expressão a comunhão de cama, mesa e habitação.

É verdade que a expressão cônjuges significa estado de pessoa casada em relação ao outro esposo. É, igualmente, verdadeiro que as pessoas só se podem casar com outras de sexo diferente. Logo, não existem cônjuges do mesmo sexo. Contudo, parece-nos que o critério decisivo não estará em saber se o casal homossexual se “confunde” com um heterossexual e se tem a possibilidade ou não de se casar, mas sim em saber se vivem à semelhança de um casal heterossexual, isto é, em comunhão de leito, mesa e habitação.

Parece-nos que a resposta terá de ser positiva, pois um casal homossexual vive em comunhão de leito, mesa e habitação à semelhança de um casal heterossexual.

Parece-nos, também, que a não atribuição dos mesmos direitos a situações de facto iguais por razões de diferença meramente sexual, seria uma discriminação por razão de sexo, logo uma eventual violação do disposto no artigo 13º da CRP.

Assim, entendemos que todas as disposições no ordenamento jurídico português atinentes à união de facto são aplicáveis às uniões homossexuais, desde que estas não se encontrem expressamente excluídas e desde que não sejam impossibilitadas pela própria natureza, isto é, desde que não impliquem a heterossexualidade.

Concluída esta anotação prévia, debrucemo-nos sobre os efeitos pessoais e patrimoniais a que a união de facto dá lugar.




a) Efeitos pessoais





A doutrina é unânime em concordar que os unidos de facto não usufruem do direito de acrescentar ao seu nome o apelido do outro, nem a sua relação lhes permite a aquisição da nacionalidade. Também, não existe discordância quanto aos efeitos pessoais expressamente previstos na legislação, tais como a permissão da adopção, se a relação durar há mais de 4 anos e os seus membros tiverem mais de 25 anos; o direito a recusar-se a depor como testemunha; o direito de gozar férias no mesmo período, se trabalharem na mesma empresa ou na Administração Pública; ou a presunção de paternidade, se existir, no período legal da concepção, comunhão duradoura.

Contudo, já existem diferenças de pontos de vista no que concerne aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, previstos para o casamento no artigo 1672º do Código Civil. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira defendem que não existe qualquer efeito pessoal, quanto a estes deveres, decorrente de uma relação de união de facto. Já França Pitão considera que estes deveres, poder-se-ão aplicar às uniões de facto, criando inclusive o direito a indemnizar nos termos gerais, agravado pela relação existente entre os companheiros. Na aplicação destes deveres às uniões de facto verificar-se-ão âmbitos diferentes face ao regime do casamento.

Assim, para este último autor, a infidelidade na união de facto é apenas reprovável no plano ético ou social, por não existir disposição legal que crie o dever de fidelidade, mas susceptível de criar a obrigação de indemnizar nos termos gerais. Tal como Guyon considera que subsiste sempre um dever especial de sinceridade.

Na sua óptica, existe um dever de respeito em duas vertentes: dever geral de respeito; e um especial dever de respeito. A primeira mais não é do que o respeito que qualquer cidadão deve ter face aos direitos de personalidade e liberdades individuais de outro concidadão. A segunda consiste no facto de cada um dos membros da união de facto, em consequência da própria relação, dever possuir um maior empenho no respeito do outro do que o comum cidadão.

A violação deste dever para além da sanção social, poderá ser motivo de sanção criminal (crime contra a honra ou pessoa) e civil nos termos gerais.

Quanto ao dever de coabitação, podemos afirmar que ele está previsto nas Leis n.º 135/99 e 7/2001, pois a união de facto para existir implica comunhão de habitação. Sem esta não existe união de facto. Ora, assim, a coabitação para além de dever, é condição de existência da união.

Por fim, no que concerne ao dever de assistência e de cooperação, aquele autor refere que, embora sem penalizações à sua violação, existe o dever de contribuir para os encargos da vida familiar e que sem este não existiria uma plena comunhão de vida entre os unidos de facto. Considera, também, que a prestação de alimentos em caso de morte do outro membro da união se inclui no âmbito deste dever, apesar de aparecer desvirtuado tal o carácter de patrimonialidade que assume na nossa legislação.

Nesta matéria, discordamos de França Pitão, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira. Do primeiro, porque afirma existirem todos os deveres conjugais (se bem que com nuances) menos o da fidelidade, dos outros por considerarem que não existe nenhum. Pensamos, pois, que não existem deveres conjugais na união de facto, excepção feita ao dever de coabitação. Os outros deveres conjugais poder-se-ão exigir ao companheiro, não por ser companheiro, mas porque se exigem a todos os cidadãos. E é nesta mesma medida que se lhe poderão ser exigidos. Se dúvidas houver, facilmente são superadas pela análise dos argumentos justificativos da eventual indemnização – indemnização a conceder nos termos gerais. Se é nos termos gerais, então o companheiro está no mesmo patamar de qualquer outro cidadão. Quanto ao dever da coabitação, ele existe e a sanção à sua não verificação é a própria extinção da união de facto.

Em nossa opinião, basta a não exigência de um dos deveres conjugais ou a impossibilidade de adquirir um apelidos do outro membro da união para, legitimamente, se poder afirmar que na união de facto não existe plena comunhão de vida no plano pessoal. Discordamos, assim, da perspectiva de França Pitão.







b) Efeitos patrimoniais





No casamento, o legislador definiu um conjunto de regimes de bens, permitindo aos casais a opção por um deles. Nestes regimes prevê-se toda a relação patrimonial entre os cônjuges e entre estes e terceiros.

Na união de facto não existe um regime legal de bens pré-definido com o objectivo de regular o seu património comum, pelo que aos unidos de facto aplica-se o regime geral das relações obrigacionais e reais.

Assim, os unidos de facto podem realizar os contratos que lhes apetecer, sendo únicos proprietários dos bens que compram, e podendo vender, sem necessidade do consentimento do outro, os seus bens próprios. Podem, igualmente, negociar entre si. Agem como sendo solteiros, estranhos. Existe uma excepção a esta regra. Trata-se do disposto no artigo 953º que remete para o artigo 2196º, ambos do Código Civil. Isto é, é nula a doação de um bem a pessoa com quem o doador casado cometeu adultério.

Se a regra é a propriedade exclusiva do bem que o unido adquire, existem contudo excepções. Podem adquirir bens para ambos ficando abrangidos pelo instituto jurídico da compropriedade e, ainda, bens de propriedade comum, que será o caso de bens para fazer face às necessidades da vida em comum (ex.: alimentos, produtos farmacêuticos, etc.).

Como já dissemos a lei não definiu o regime aplicável aos bens adquiridos durante a união de facto. Contudo, os nossos tribunais já foram chamados a decidir sobre esta matéria. Vejam-se os acórdãos do STJ, de 15 de Novembro de 1995 e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Janeiro de 1999, a título de exemplo.

Em ambas as decisões jurisprudenciais optou-se por aplicar o princípio geral do enriquecimento sem causa nas situações em que um dos membros da união de facto, por ter um bem em seu nome, pretende ficar único proprietário desse bem. Se o bem foi adquirido para fazer face às necessidades da vida em comum, com dinheiro de ambos, é da mais elementar justiça, reconhecer-se que a propriedade do bem pertence a ambos. Inclusive quando um dos membros da união não aufere rendimentos por se dedicar ao trabalho doméstico.

Quanto às dívidas pessoais, elas não se transmitem ao outro membro, com excepção das que são contraídas para fazer face aos encargos normais da vida em comum. São as despesas com a casa, a alimentação, divertimentos, etc..

Outro efeito patrimonial da união de facto é a aplicação aos membros da união do regime do IRS nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira chamam a atenção para dois efeitos patrimoniais interessantes.

Um é o facto de os membros da união não usufruírem de ADSE, uma vez que não são considerados «beneficiários familiares ou equiparados» no âmbito do Decreto-lei que define o funcionamento da ADSE.

O outro consiste em a existência de uma união de facto, diferentemente do que se passa com o casamento, não impedir que um seu membro continue a receber pensão de sobrevivência por morte do cônjuge, ou pensão de alimentos do ex-cônjuge por virtude de divórcio, ou pensão de alimentos da herança do falecido. Ora, se um titular de uma pensão casar, perde a pensão. Se se mantiver em união de facto, continua a recebê-la. Teríamos aqui, se concordássemos com os Ilustres Professores, uma situação de grande injustiça para com quem tem o dever jurídico de prestar uma pensão.

Mas pensamos de forma diferente e consideramos que esta injustiça não existe. O artigo 2020º do Código Civil atribui o direito a um unido de facto de exigir alimentos da herança do falecido. E diz o seu n.º 3 que o artigo 2019º do mesmo código aplica-se, com as necessárias adaptações, à união de facto. Ou seja, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair nova união de facto, ou se se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral.

Não temos a menor dúvida que esta é a interpretação correcta. Pois, o facto de o artigo 2019º ter a palavra «casamento» advém de os artigos anteriores respeitarem todos ao casamento e porque o artigo 2020º é uma inserção do 1977, isto é, quando se criou o artigo 2019º não se imaginava o conteúdo que o art.2020º viria a ter em 1977, pelo que não se escreveu a expressão: casamento ou união de facto. Assim, o legislador pensou, e bem, que ao criar um n.º 3 no artigo 2020º a questão em apreço nunca se colocaria.




Dissolução da união de facto





Ao contrário do que acontece na Lei n.º 135/99, a Lei n.º 7/2001 estabeleceu um conjunto de regras no que concerne à dissolução da união de facto.

Assim, postula o artigo 8º desta última lei que a união de facto dissolve-se com o falecimento, vontade ou casamento de um dos seus membros.

Não se entende a razão pela qual o legislador terá precisado que a união de facto «para efeitos da presente lei» se dissolve através dos factos acima descritos. E não se entende, porque esses factos dissolvem a união de facto de per si. Não é porque a lei o diz, mas é porque se verifica na realidade que a união de facto deixa de existir. Logo, trata-se de uma disposição desnecessária. Excepção feita à alínea c) do n.º1 do artigo 8º em que concebemos como possível, embora estranhíssimo, a continuidade de uma união de facto a par de um casamento. Estaria o unido de facto casado a violar o dever conjugal de fidelidade, mas talvez o outro cônjuge considerasse que tal infidelidade não seria motivo para comprometer a possibilidade da vida em comum... Será esta a lógica de tal disposição e do legislador?! Não o sabemos, e dificilmente o saberemos. Sabemos, contudo, é que consideramos este artigo no seu primeiro ponto desnecessário. Pensamento comum ao legislador de 1999 que não sentiu necessidade de criar um artigo dedicado à dissolução das uniões de facto.

Mais, segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “é pouco verosímil que um dos membros desta (união de facto) celebre casamento com outra pessoa sem que previamente tenha manifestado a vontade de romper a relação”.

Para além disto, dispõe ainda o mesmo artigo, no seu n.º 2, que a dissolução por vontade de um dos membros apenas terá de ser judicialmente declarada quando se pretender fazer valer direitos dependentes dessa declaração judicial. Essa declaração judicial deverá ocorrer em acção que siga o regime processual das acções de estado ou em acção onde os direitos reclamados são exercidos. No fundo, esta é uma disposição com o objectivo de definir um regime processual para a declaração judicial do terminus da união de facto.

Intrinsecamente ligada à dissolução da união de facto, está a importante disposição relativa à “casa de morada de família” ou “casa de morada do casal” (Lei n.º135/99) ou “casa de morada de família e residência comum” ou “casa de morada comum” (Lei n.º 7/2001).

Poder-se-ia questionar, nomeadamente no âmbito da Lei n.º 135/99, se, ao designarmos a casa dos unidos de facto como casa de morada de família, estaríamos a reconhecer que a união de facto criaria uma relação de família entre o casal.

Nem a doutrina, nem a jurisprudência colocaram esta questão e, hoje, ela não faz qualquer sentido, pois o legislador já emendou a designação para “casa de morada de família e residência comum”. Casa de morada de família entre membro da união de facto e seus filhos. Residência comum entre unidos de facto.

Nesta matéria, importa referir que a lei distingue entre casa própria e casa arrendada. No primeiro caso, havendo uma separação e sendo o bem pertencente a ambos, qualquer dos unidos pode requerer ao tribunal que este lhe atribua a casa de arrendamento. Pertencendo apenas a um deles, o outro poderá, na mesma, solicitar o arrendamento.

Se a casa for arrendada, por acordo ou por decisão do tribunal (a solicitação de um deles), qualquer dos unidos poderá ficar com o arrendamento.

De referir ainda que a expressão «membro sobrevivo» no artigo 4º, n.º 4 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, trata-se de mais um lapso do legislador, porque esta disposição dedica-se à separação dos membros da união de facto como se inferirá da leitura dos artigos 1793º do Código Civil e 84º, n.º 2 do RAU.

Outra das formas de dissolução da união de facto reside no falecimento de um dos seus membros. A lei atribui o direito a alimentos e o direito à casa de morada de família ou residência comum ao membro sobrevivo.

O direito a alimentos tem de ser requerido no prazo de dois anos a contar da data da morte do companheiro, sob pena de caducidade. Estes alimentos pretendem oferecer ao membro sobrevivo as condições indispensáveis ao seu sustento, habitação e vestuário e, havendo um menor, também abarca as despesas com a sua instrução e educação. Só haverá direito a receber alimentos, se o membro sobrevivo não tiver forma de prover à sua subsistência e aqueles serão proporcionais à herança do de cujus e à necessidade do sobrevivo. Pelo exposto, se compreende que não se pretende manter o mesmo nível de vida que o casal detinha.

Pormenor bastante importante é que a lei não exige que à data do falecimento a união de facto já tivesse dois anos sem ser adulterina. Basta que exista há mais de dois anos, mesmo que apenas recentemente perdesse o carácter de adúltera.

O direito à casa de morada de família ou residência comum aparece como um direito real de habitação e direito de preferência na sua venda, pelo prazo de cinco anos a contar da morte do membro da união de facto. Contudo, este direito só existe se não sobreviverem descendentes com menos de um ano ou que com ele vivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou se o de cujus não dispuser da casa por testamento. Nas uniões de facto, ao contrário do que se passa no casamento, não se concede o direito ao recheio.

O membro sobrevivo duma união de facto com relevância jurídica nos termos das Leis em apreço tem, igualmente, direito à transmissão do arrendamento da habitação, por morte do companheiro.

Existe uma grande diferença relativa a este direito nas Leis n.º 135/99 e na 7/2001 e que reside hierarquia do gozo deste direito. A segunda lei coloca o membro sobrevivo a seguir aos descendentes, enquanto a primeira colocava em último lugar, depois de descendentes com menos de um ano ou que com ele convivesse há mais de um ano, ascendentes que com ele convivesse há mais de um ano e afins na linha recta nas condições referidas para os descendentes e ascendentes. Esta alteração traduz-se num fortalecimento do direito e da posição do membro sobrevivo.

Também aqui só se exige que união de facto não seja adulterina à data do falecimento.

Não se poderá analisar este direito sem fazer referência à alteração introduzida ao n.º 2 do artigo 85º do RAU. Qual o sentido que o legislador pretende dar a esta disposição? Para Pereira Coelho esta norma pretende criar, ao contrário da Lei n.º135/99, o direito a uma transmissão do arrendamento “em dois graus”, permitindo-se, assim, a transmissão a favor de parentes e afins do membro sobrevivo aquando da sua morte. Isto é, equipara-se o unido de facto ao cônjuge para efeitos do artigo 85º n.º 4 do RAU.

Na hipótese de o de cujus viver em união de facto sem relevância jurídica para efeitos da lei, o membro sobrevivo tem direito a novo arrendamento (art. 90º, n.º 1, al. a) do RAU).

Outros dos direitos do membro sobrevivo são o direito a uma prestação por morte e à pensão de sobrevivência, previstos no artigo 3º e), f) e g) da Lei n.º 7/2001. Na Lei n.º 135/99, estavam previstos no artigo 3º alíneas f), g) e h).

Para que o membro sobrevivo possa usufruir destes direitos, deverá obter sentença que reconheça estarem verificadas as exigências do artigo 2020º do Código Civil. Esta sentença poderá ter sido proposta contra os herdeiros do falecido para a obtenção de alimentos ou contra a instituição competente pela prestação ou pensão – Caixa Geral de Aposentações ou Instituto de Solidariedade e Segurança Social – em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou ainda nos «casos referidos no número anterior» (art. 6º, n.º 2 da Lei n.º 7/2001).

Este artigo, na sua versão da Lei n.º 135/99 era bem mais claro do que na actual. Temos alguma dificuldade em compreender o actual artigo 6º, n.º 2, nomeadamente o âmbito da expressão: «casos referidos no número anterior». Quer esta expressão referir-se às alíneas e), f) e g) do art. 3º, ou às uniões de facto previstas na presente lei, ou às uniões que reunirem as condições constantes do art. 2020º do Código Civil, ou, ainda, a todos estes requisitos? Parece-nos ser a última hipótese, significando, assim, o n.º 2 do art. 6º em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou ainda independentemente desta inexistência ou insuficiência. Mas se assim é, a referência à existência, insuficiência ou inexistência de bens é totalmente desnecessária.

Como última nota, focar que o artigo 24º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 874/76, por nós já referido supra a propósito das normas aplicáveis à união de facto antes da vigência da Lei n.º 135/99, concede ao unido de facto o direito a faltar ao trabalho por dois dias, se tiver falecido o seu companheiro. Estes dias aumentam para 5 na hipótese de a união de facto durar há mais de dois anos.







Perspectivas para o futuro – algumas questões





Confessamos que não somos capazes de antever a próxima evolução do instituto jurídico em análise, mas cremos que de futuro o legislador irá laborar no sentido de atribuir efeitos jurídicos à união de facto sempre que esta exista há mais de 2 anos, deixando de existir avulsamente outros prazos, excepção feita ao caso da adopção.

Cremos, igualmente, que este instituto irá ser motivo de avultada doutrina e jurisprudência, tais as questões em aberto, as indefinições e incorrecções que o legislador nos legou. A parca doutrina existente em Portugal, à semelhança de alguma estrangeira, defende posições tão díspares que parece-nos importante uma intervenção do legislador, esclarecendo o que realmente pretende. Veja-se as dificuldades e injustiças que poderão surgir por não existir um eficaz meio de prova quanto ao início e ao fim da relação, ao regime de bens (o que é próprio da união de facto, mas cria gravíssimas dificuldades aos credores, nomeadamente em fase de execução) e aos seus efeitos pessoais.

As questões que podemos colocar são muitas: umas mais teóricas, outras mais práticas, e muitas serão as possíveis reivindicações.

O casal constituído por dois menores cria emancipação? Parece-nos evidente que não, por não ter sido previsto na lei, mas o não reconhecimento de uma emancipação criará dificuldades ao casal menor na administração de uma economia comum, especialmente se não obtiver a “benção” dos titulares do poder paternal ou da tutela.

Não nos espantará ver futuras reivindicações de unidos de facto homossexuais pela conquista do poder de adopção. Certamente que, antes ou depois, esta mesma categoria social reivindicará o casamento civil.

Imaginem-se as injustiças que serão possíveis fazer recorrendo ao disposto nesta legislação.

Arrendatários de quartos que não recebem quitação, afirmarem e provarem em conluio com outros, depois do(a) senhorio(a) falecer, que viviam em união de facto com o de cujus, obtendo assim direito real de habitação, direito de preferência na venda e direito a alimentos proveniente da herança.

Funcionários públicos, com o objectivo de não se deslocarem para longe no exercício das suas funções, combinam com amigos, pagando se necessário, afirmar perante o Estado viver em união de facto, para, desta forma, obter preferência na sua colocação.

Unidos de facto que compram bens, afirmando ser apenas para um deles ou escondendo a sua relação, diminuindo as garantias patrimoniais do credor.

E muitas outras certamente, pois a mente humana é fértil, e muitas as brechas desta legislação.

Pensamos que esta legislação tem aspectos positivos, como sejam acautelar justos interesses dos unidos de facto. Contudo, consideramos um mau serviço ao país, nomeadamente à segurança jurídica, legislar sobre matérias tão delicadas sem a devida ponderação dos seus efeitos.

Para terminar, a nossa convicção é a de que a sistematização da união de facto veio para ficar. Não nos parece credível que o legislador venha a eliminar a Lei n.º7/2001, legislando avulsamente sobre os direitos concedidos por esta lei.





ANEXO I



Jurisprudência Portuguesa sobre a União de Facto anterior à Lei n.º 135/99



Publicada no Boletim do Ministério da Justiça:



- Ac. STJ, 30-05-1961, BMJ 107, pp. 557

- Ac. Relação de Évora, 26-01-1984, BMJ 335, pp. 355

- Ac. Relação de Évora, 31-01-1984, BMJ 335, pp. 354

- Ac. Relação de Lisboa, 16-02-1984, BMJ 341, pp. 463

- Ac. Relação de Lisboa, 12-07-1984, BMJ 346, pp. 305

- Ac. Relação de Lisboa, 24-10-1985, BMJ, 357, pp. 486

- Ac. Relação de Lisboa, 19-11-1985, BMJ, 358, pp. 602

- Ac. STJ, 21-11-1985, BMJ 351, pp. 429

- Ac. STJ, 09-01-1986, BMJ, 353, pp. 464

- Ac. STJ, 18-03-1986, BMJ, 355, pp. 392

- Assento STJ, 23-04-1987, BMJ, 366, pp. 177 e DR 28-05-1987

- Ac. STJ, 15-05-1990, BMJ 397, pp. 478

- Ac. STJ, 11-07-1991, BMJ 409, pp. 411

- Ac. STJ, 07-11-1991, BMJ 411, pp. 565

- Ac. Relação de Lisboa, 22-09-1993, BMJ 429, pp. 860 e Col. de Jur., 1993, 4, 179

- Ac. Relação de Lisboa, 07-10-1993, BMJ 430, pp. 503

- Ac. Relação de Lisboa, 07-12-1995, BMJ 452, pp. 482

- Ac. Relação do Porto, 06-03-1996, BMJ 455, pp. 575

- Ac. Relação do Porto, 26-03-1996, BMJ 455, pp. 575

- Ac. Relação de Coimbra, 28-05-1996, BMJ 457, pp. 457

- Ac. STJ, 04-06-1996, BMJ 458, pp. 211

- Ac. STJ, 25-06-1996, BMJ 458, pp. 335

- Ac. Trib. Const. n.º 1221/96, 04-12-1996, BMJ 462, pp. 121

- Ac. Relação de Coimbra, 14-01-1997, BMJ 463, pp. 646

- Ac. Relação do Porto, 01-04-1997, BMJ 466, pp. 583

- Ac. Relação de Évora, 12-03-1998, BMJ 475, pp. 792



Publicada na Colectânia de Jurisprudência:



- Ac. Relação de Coimbra, 11-12-1984, Col. de Jur., 1984, 5, 86

- Ac. Relação de Lisboa, 11-12-1984, Col. de Jur., 1984, 5, 165

- Ac. Relação do Porto, 18-12-1984, Col. de Jur., 1984, 5, 273

- Ac. Relação de Évora, 09-07-1985, Col. de Jur., 1985, 303

- Ac. Relação de Lisboa, 19-12-1985, Col. de Jur., 1985, 5, 117

- Ac. Relação de Lisboa, 16-01-1986, Col. de Jur., 1986, 1, 91

- Ac. Relação de Coimbra, 20-11-1986, Col. de Jur., 1986, 5, 122

- Ac. Relação de Lisboa, 14-07-1987, Col. de Jur., 1987, 4, 134

- Ac. Relação do Porto, 03-12-1987, Col. de Jur., 1987, 5, 206

- Ac. Relação de Coimbra, 12-04-1988, Col. de Jur., 1988, 2, 65

- Ac. Relação de Lisboa, 28-06-1990, Col. de Jur., 1990, 3, 152

- Ac. Relação de Lisboa, 06-03-1991, Col. de Jur., 1991, 2, 193

- Ac. Relação do Porto, 30-09-1991, Col. de Jur., 1991, 4, 259

- Ac. Relação de Lisboa, 17-03-1992, Col. de Jur., 1992, 2, 167

- Ac. STJ, 26-05-1993, Col. de Jur., 1993, 2, 133

- Ac. STJ, 20-01-1994, Col. de Jur., 1994, 3, 200

- Ac. Relação de Lisboa, 01-02-1994, Col. de Jur., 1994, 1, 125

- Ac. Relação do Porto, 07-02-1994, Col. de Jur., 1994, 1, 230

- Ac. Relação do Porto, 27-09-1994, Col. de Jur., 1994, 4, 198

- Ac. STJ, 01-06-1994, Col. de Jur., 1994, 2, 123

- Ac. STJ, 16-03-1995, Col. de Jur., 1995, 1, 124

- Ac. STJ, 22-03-1995, Col. de Jur., 1995, 1, 284

- Ac. STJ, 28-06-1995, Col. de Jur., 1995, 2, 242

- Ac. STJ, 29-06-1995, Col. de Jur., 1995, 2, 147

- Ac. Relação de Lisboa, 30-11-1995, Col. de Jur., 1995, 5, 126

- Ac. Relação de Lisboa, 18-04-1996, Col. de Jur., 1996, 2, 105

- Ac. Relação de Évora, 05-12-1996, Col. de Jur., 1996, 5, 271

- Ac. Relação do Porto, 09-01-1997, Col. de Jur., 1997, 1, 19

- Ac. Relação de Coimbra, 14-01-1997, Col. de Jur., 1997, 1, 11

- Ac. STJ, 04-02-1997, Col. de Jur., 1997, 1, 8

- Ac. Relação de Lisboa, 20-02-1997, Col. de Jur., 1997, 1, 132

- Ac. STJ, 08-05-1997, Col. de Jur., 1997, 2, 81

- Ac. Relação do Porto, 19-05-1997, Col. de Jur., 1997, 3, 187

- Ac. Relação de Lisboa, 09-10-1997, Col. de Jur., 1997, 4, 111

- Ac. STJ, 14-10-1997, Col. de Jur., 1997, 3, 61

- Ac. Relação de Coimbra, 20-01-1998, Col. de Jur., 1998, 1, 6

- Ac. Relação de Lisboa, 23-04-1998, Col. de Jur., 1998, 2, 126

- Ac. Relação d o Porto, 05-03-1998, Col. de Jur., 2, 190

- Ac. STJ, 09-02-1999, Col. de Jur., 1999, 1, 89

- Ac. Relação de Lisboa, 21-01-1999, Col. de Jur., 1999, 1, 83

- Ac. Relação de Lisboa, 02-03-1999, Col. de Jur., 1999, 2, 70



Outras publicações:


- Ac. STJ, 05-06-1985, Rev. Leg. e Jur., 119, 372

- Ac. Trib. Const. n.º 359/91, 09-07-1991, pub.15-10-1991, DR n.º 237, I-A, p.5332 a 5346;

- Ac. Trib. Const. n.º286/99, 11-05-1999, pub. Diário da República 21-10-1999





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[i] A nossa legislação não define o conceito de plena comunhão de vida. Segundo Pereira Coelho, “trata-se de uma comunhão de vida em que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art.1672º), comunhão de vida exclusiva (al. c) do art. 1601º) e tendencial ou presuntivamente perpétua (art. 1773º).” A procriação não será um fim essencial. Para concluir pela existência ou não de plena comunhão de vida, haverá que analisar se na união de facto existem estes deveres. Somos da opinião que não existem todos os deveres apontados como se verá infra. Para França Pitão, na união de facto existem deveres conjugais, pelo que existe plena comunhão de vida. Para Pereira Coelho, não existe nenhum destes deveres conjugais, pelo que não há plena comunhão de vida no plano pessoal.

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