quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

DIREITO DA FAMILIA - NOTAS AVULSAS

I

UNIÃO DE FACTO: JURISPUDÊNCIA SOBRE NATUREZA E EFEITOS DECORRENTES

Proc. 129/01 (Paulo Mota Pinto), disponível em www.tribunalconstitutcional.pt, tirado por maioria e contando com votos de vencido de BRAVO SERRA e JOSÉ MANUEL CARDOSO DA COSTA, em que se considerou poder chegar-se a uma solução de inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, por violação do artigo 36.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa conjugado com o princípio da proporcionalidade, por, em caso de morte da vítima de um crime doloso, excluir o direito de "indemnização por danos não patrimoniais" sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges. No aresto em questão, questionou-se, desde logo, se a pretendida extensão a tais pessoas do direito a indemnização por danos não patrimoniais por morte da vítima, previsto para o cônjuge no artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil, não poderá já hoje fazer-se decorrer da alínea e) do artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, na qual se prevê o direito a «protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral (...) da lei». Além disso, partindo do pressuposto que a distinção entre pessoas casadas e pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição de uma compensação por danos não patrimoniais sofridos por morte da vítima, se afigura destituída de fundamento razoável, constitucionalmente relevante, afirmou-se poder-se chegar logo a uma conclusão de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade (que censura distinções sem fundamento racional, justo ou objectivo, discriminações arbitrárias e irrazoáveis ou baseadas em critérios não relevantes, exige uma comparação de situações e se apresenta como limite à liberdade de conformação do legislador, nomeadamente quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada), pois: a) a existência de um vínculo matrimonial, por contraposição à convivência em união estável e duradoura, não constitui só por si um fundamento razoável para excluir a compensação do sofrimento e da dor sofridos com a morte pela companheira da vítima de um homicídio doloso; b) na dimensão normativa em causa, não só o beneficiário da indemnização se encontra perfeitamente delimitado, e é apenas um (pretendendo ser colocado no mesmo plano do cônjuge, e, portanto, no primeiro grupo dos titulares de indemnização), como não merece certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio; c) sob a perspectiva do fundamento para o reconhecimento da compensação, não se vê como possa relevar a existência de um vínculo matrimonial, em lugar apenas de uma convivência em união estável e duradoura com outra pessoa, em condições análogas às dos cônjuges, para excluir completamente a atendibilidade dos padecimentos sofridos por esta. E, ainda que se entendesse que da distinção entre a família e o casamento prevista no artigo 36.º, n.º 1 (1ª parte) e do artigo 67.º, n.º 1 ambos da Constituição da República Portuguesa não resulta uma imposição para o legislador de reconhecer e proteger, em geral, a união de facto estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, e a família nela fundada, em termos idênticos aos da família baseada no casamento, haveria certamente de extrair-se daí o dever de não desproteger, sem uma justificação razoável, a família que se não fundar no casamento, pelo menos quanto àqueles pontos do regime jurídico que directamente contendam com a protecção dos seus membros e que não sejam aceitáveis como instrumento de eventuais políticas de incentivo à família que se funda no casamento. Ora, não se afiguraria adequada e aceitável, à luz do reconhecimento constitucional de protecção também da família não fundada no casamento – e do próprio valor da dignidade humana –, a utilização do regime da "indemnização" pela dor e pelo sofrimento resultantes da morte para as pessoas que conviviam com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, como instrumento para a prossecução de eventuais objectivos políticos de incentivo à família fundada no casamento.


Decisão oposta
Todavia, a solução diametralmente oposta chegou a mesma secção do Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.º 86/2007 e 87/2007, 2.ª Secção, Proc. 26/2004 e Proc. 995/2005 (Paulo Mota Pinto) disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, tirados por maioria e contando com votos de vencido de MÁRIO JOSÉ DE ARAÚJO TORRES e MARIA FERNANDA PALMA, em que se decidiu que a norma do artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil, na medida em que não admite que a pessoa que vive em união de facto com uma vítima de acidente de viação, do qual resulte a morte dessa vítima, tenha o direito a receber uma indemnização por danos patrimoniais, não viola nem o princípio da igualdade nem o artigo 36.º, n.º 1 da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade. Afirmando que na situação anterior a norma do artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil não foi considerada inconstitucional, na interpretação então questionada, por violação do princípio da igualdade, mas antes, e apenas, «por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade», começa o Tribunal Constitucional por considerar que, na óptica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, intencionalmente, opta por o não fazer.
[nota: nem tem de ser equiparada a opção pelo matrimónio a uma outra opção de vida íntima, norteada por critérios de organização interna que cada núcleo de pessoas escolha:
_ com repercussão sexual ou tendo na origem essa ligação, mas podendo ainda abranger outras formas de afectividade, como acontece com as Vidas em Economia Comum;
_ com aceitação recíproca de deveres pessoas, mas podendo estes diferir, seja em amplitude, seja em intensidade (dever de fidelidade com dimensão sexual norteada pelo exclusivismo, ou não; dever de assistência tão intenso quanto o que vincula tipicamente os cônjuges, ou menos do que esse dever;

Do que se fez a defesa, no Curso, foi da aproximação crescente de realidades institucionais que no passado se excluíam reciprocamente. Se o Casamento era instituição familiar, a união de facto, de conotação pejorativa e aproximável ao concubinato, não o era. Se perpassava o Direito do Casamento a influência do Direito canónico, natural seria que o matrimónio laico ainda colhesse naquele outro, parte da sua inspiração.
Ou seja: as formas de união sexual eram encaradas como conflituantes e algo antagónicas. Como se o direito da união de facto, o “concubinato”, representasse o “não Direito”, o plano juridicamente não contemplado. Ou o “pouco Direito”, o Direito de efeitos parcimoniosos e portador de consequências restritas, portanto.
Ora, que faz a ordem jurídica actual? Assume a diversidade e assumindo-a, a complexidade das formas de vivência íntima são acolhidas com congruência no mesmo seio jurídico.
Que critério vale para saber se uma união de facto é familiar ou quase familiar? O critério da opção por vida comum, ao alvedrio de cada par, mas vida comum em todo o caso.


Ainda que se tenham unido A e B para escrever um romance, ou fazer um filme, e projectado na sua vida pessoal a bizarria do enredo que para a obra vão construindo. Ainda assim: vivem em comum, é o seu modelo de união. O legislador tem de conhecer e reconhecer. E respeitar. Não foram à Conservatória, não registaram o momento? O Direito da Família demite-se desse aspecto. Mais importante será o afecto e o respeito que ele merece. Como merece respeito, constitucional, a liberdade de opção pela organização de vida constituída, posto que não colida com a Ordem Pública, com os bons costumes.

Numa relação sexuada;
Numa relação de intimidade que não torne esse aspecto da Vivência perceptível sequer,

É o sentido de intersubjectividade íntima, de cumplicidade de experiência e partilha quotidiana que define a Família.

É que estaremos (porventura) de acordo em convir que há mais mundo familiar do que o mundo do Matrimónio. E que ele corresponde a uma outra opção que a lei contempla e acolhe com dignidade. Acolhe no Direito da Família.
Aliás, ocorre perguntar: o que seria uma relação “parafamiliar”? Em que plano jurídico se situaria?
A “relação parafamiliar” é uma metáfora deslocada. O mundo institucional da vida partilhada com afecto é, na perspectiva do Direito da Família, inclusivo. Este meio termo que, usando o “meio tom”, tenta assumir uma zona “parafamiliar” é afinal a mais evidente confissão da falta de critério dogmático adequado que não colida com o papel cometido ao Matrimónio mas permita vencer a partida na integração das instituições familiares.
Que dirão os Autores seus defensores se porventura entrar em vigor, na esteira da sugestão já contida no Veto presidencial ao casamento entre pessoas do mesmo sexo _ na esteira, também, do projecto que entrou na AR _ uma lei de uniões entre pessoas de sexo diferente mais abrangentes nos efeitos, porventura ainda, respeitando a possibilidade de dispensa de formalismos legais de constituição?
Modificarão o seu conceito de Família, para que nele caiba a nova realidade legal? Nem se dirá que o venham a fazer em nome de assumido positivismo: pois que as normas com essa inspiração existem já: as Leis 6 e 7/2001.
Outro caminho não resta…]



Além disso, para o Tribunal Constitucional o legislador constitucional não pode pretender retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador infra-constitucional, de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a formulação de um regime jurídico próprio, como sucede relativamente ao regime da indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte da vítima, pelo que não existe violação do princípio da igualdade na norma em apreciação. E, sobre o confronto com o princípio da proporcionalidade conjugado com o reconhecimento constitucional da «família não fundada no casamento», entende o Tribunal Constitucional que haverá que ter em conta que o recorte de um regime jurídico pela hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam intencionalmente submeter-lhe, tem necessariamente como consequência a exclusão dos respectivos efeitos jurídicos, importando apenas apurar se tal recorte segue um critério constitucionalmente aceitável, tendo em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis e sem deixar de considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e escolha dessas alternativas, que tem de ser reconhecida ao legislador. O legislador goza assim de uma considerável margem de discricionariedade na delimitação, no artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil, do círculo das pessoas que podem pedir indemnização por morte da vítima. De resto – afirma o Tribunal Constitucional –, no controlo da constitucionalidade não está em causa a qualificação do «melhor dir da constitucionalidade não está em causa a qualificação do «melhor direito» em si mesmo, que é missão do legislador, competindo ao Tribunal Constitucional apenas dizer o «não direito», porque incompatível com a Constituição. Com base nestes pressupostos, conclui-se não ser possível detectar qualquer falta grosseira ou evidente de adequação entre a dimensão normativa em apreço e as finalidades dessa delimitação, resultante do artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil, tanto mais que há necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, por razões de certeza, designadamente em casos como este, em que está em causa a infracção de regras legais de circulação rodoviária e de deveres de cuidado, com negligência do lesante. No mesmo sentido, cfr. Acórdão do STJ de 04.12.2003, Proc. 03B3825 (Quirino Soares) e Acórdão da Relação do Porto de 10.05.2006, Proc. 0545740 (Coelho Vieira), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Não é pensável, nesta fase do nosso Direito, uma aplicação do regime sucessório do Livro das Sucessões do Código Civil em sede de união de facto. Herdeiro legitimário é o cônjuge sobrevivo, a par de alguns familiares próximos (artigo 2157.º do Código Civil). O conceito de Família referenciado na lei das sucessões aparta-se das instituições modernas que vêm integrar o Direito da Família




Nos termos do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aprovado pelo DL n.º 142/73, de 31 de Março, e alterado pelo DL n.º 191-B/79, de 25 de Junho, DL n.º 173/89, de 26 de Maio, DL n.º 192/83, de 17 de Maio, DL n.º 214/83, de 25 de Maio, DL n.º 283/84, de 22 de Agosto, DL n.º 40-A/85, de 11 de Fevereiro, DL n.º 198/85, de 25 de Junho, DL n.º 20-A/86, de 13 de Fevereiro, DL n.º 343/91, de 17 de Setembro, DL n.º 78/94, de 9 de Março, e DL n.º 71/97, de 3 de Abril), têm direito à pensão de sobrevivência, como herdeiros hábeis dos contribuintes, o cônjuge sobrevivo, o divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens e a pessoa que estiver nas condições do artigo 2020.º do Código Civil (artigo 41.º, n.º 1, alínea a)), sendo certo que «[a]quele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito» (artigo 41.º, n.º 2 ). De acordo com aquele regime, tem direito à prestação de sobrevivência, a pessoa que, no momento da morte do beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges. O direito à atribuição da prestação por morte do beneficiário da segurança social está, por isso, dependente da prova dos seguintes requisitos: 1. A pessoa não ser casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; 2. Viver com a pessoa em união de facto há mais de dois anos. 3. Ter direito a alimentos e não os poder obter das pessoas identificadas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil. Este regime tem suscitado algumas dúvidas, que a jurisprudência e doutrina têm procurado responder.
Em primeiro lugar, cumpre assinalar alguma controvérsia quanto ao requisito da necessidade de alimentos, quando se verifiquem os restantes requisitos para atribuição da pensão recebida pelo falecido companheiro, e, a entender-se ser aquele requisito exigível, no que respeita à possibilidade de o conceito de alimentos sofrer as restrições referidas nos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil.
Por um lado, a necessidade de alimentos resulta dos artigos 3.º, alínea e) e 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio e do artigo 2020.º do Código Civil. Os alimentos a que se refere o artigo 2020.º do Código Civil respeitam a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, numa perspectiva de salvaguarda permanente da dignidade da pessoa humana. E o progresso económico, social e cultural reflecte-se no conteúdo dos alimentos. Porém, como sustenta jurisprudência recente, os referidos alimentos não se destinam a manter (ou ainda a mitigar uma redução de) um certo nível de vida alcançado, superior àquele que corresponde ao da satisfação condigna das necessidades básicas essenciais, diferentemente do que sucede num contexto de direito matrimonial. Por isso, para determinar a necessidade de alimentos, para os efeitos do disposto no artigo 2020.º do Código Civil, não basta realizar um confronto, meramente aritmético, entre os rendimentos auferidos, por um lado, e as despesas apresentadas, por outro, uma vez que podem haver despesas susceptíveis de extravasar a satisfação condigna das necessidades básicas da respectiva pessoa, designadamente no que concerne a uma habitação adequada, um direito social revestido também de garantia constitucional. O critério para delimitar a satisfação condigna das necessidades essenciais tem assim de corresponder, num justo equilíbrio, à realidade económica e social do País, com rejeição de situações extremas, quer de pendor miserabilista, quer de natureza voluptuária. A prestação social da segurança social, prevista para os casos de união de facto, justifica-se pela necessidade de conferir melhor protecção às pessoas que, por morte do beneficiário da segurança social, são confrontadas com insuperáveis dificuldades económicas susceptíveis de atingir a dignidade pessoal, de forma a garantir o equilíbrio e a coesão social. Neste contexto, será de recusar a atribuição de pensão de sobrevivência a quem, tendo vivido em união de facto com o beneficiário há mais de dois anos e auferindo a quantia líquida mensal de € 2.738,19 pelo exercício da sua actividade profissional, invoca suportar mensalmente um encargo correspondente ao valor de € 2.369,82, por não se pode concluir que estivesse numa situação de necessidade de alimentos, tal como os mesmos devem ser entendidos ao abrigo do disposto no artigo 2020.º do Código Civil, pois: aquele encargo equivale a uma despesa voluptuária, que excede significativamente a utilidade, quanto mais a necessidade, da satisfação do direito a uma habitação adequada; o rendimento auferido adequa-se à satisfação condigna das suas necessidades básicas – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Outubro de 2007, Proc. 7402/2007-6 (Olindo dos Santos Geraldes), disponível em www.dgsi.pt


Por outro lado, parece aceitar-se hoje a possibilidade de o conceito de alimentos sofrer as restrições dos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil. A questão que se coloca é só a de saber se os alimentos são os referidos nos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil ou se são os alimentos a que se refere o artigo 1675.º do Código Civil (direito a alimentos inserido no cumprimento do dever recíproco de assistência entre os cônjuges). No primeiro caso, a noção de alimentos deveria restringir-se aos «meios de subsistência estritamente necessários para viver, e não para manter o padrão de vida que o requerente e o falecido mantiveram durante a união de facto, como se depreende, aliás, logo da simples localização sistemática da norma – colocada, não nas adjacências do direito matrimonial ou à sombra de recíproco dever de assistência conjugal, mas no coração do título do Código que trata dos alimentos, no sentido técnico-jurídico da expressão». Na verdade, de acordo com o artigo 2003.º, n.º 1, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, devendo ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, nos termos do artigo 2004.º, n.º 1, ambos inseridos no Título V (alimentos) do Livro IV do Código Civil. No segundo caso, a noção de alimentos teria a ver com o dever de assistência conjugal referido no artigo 1675.º do Código Civil, sendo certo que nem neste nem noutros preceitos do instituto, se faz qualquer referência às linhas redutoras do direito a alimentos referido a propósito dos artigos 2003.º e 2004.º, tendo-se entendido que na expressão alimentos cabe tudo quanto seja necessário, não apenas ao sustento, habitação e vestuário do titular do direito, mas tudo o que a plena comunhão de vida que o casamento cria entre os cônjuges, concretamente, a igualação do seu trem de vida económica e social. Acontece que a obrigação alimentar referida no artigo 1675.º do Código Civil constitui uma relação jurídica familiar que tem como fonte o casamento, enquanto a obrigação alimentar referida no artigo 2020.º do mesmo diploma tem como fonte a lei, na medida em que tutela certos aspectos da união de facto e esta não constitui uma relação jurídica familiar, como resulta do artigo 1576.º do Código Civil. Com a Reforma de 1977 (que introduziu no Código Civil a actual redacção do artigo 2020.º) abordou-se pela 1.ª vez de forma expressa e frontal algumas questões da união de facto, tendo-se feito depois o enquadramento na segurança social através do DL n.º 322/90, de 18/10, e Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18/01, que veio evoluindo com a Lei n.º 135/99, de 28/08 e finalmente com a Lei n.º 7/2001, de 11/05. Com estes diplomas procurou-se, por imperativo de justiça social, acautelar alguns direitos fundamentais à custa do sistema ou sistemas de segurança social que dependem da contribuição dos cidadãos neles enquadrados. Porém, num momento histórico da sociedade portuguesa, em que se impõem restrições que se antevêem duras à generalidade dos cidadãos em nome da segurança social, não seria seguramente justo que dos seus cofres saísse dinheiro para alguém que dele diz carecer, não para o que é necessário ao seu sustento, habitação e vestuário, mas para fazer viagens ao estrangeiro, tanto mais que certamente não é este o espírito do legislador que adoptou as medidas de protecção das uniões de facto constantes da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio. Nesta medida, importa concluir que a medida dos alimentos é assim «a fixada nas disposições gerais dos arts. 2003.º e 2004.º, e não a que seria necessária para manter o mesmo padrão de vida do “casal”, como bem se compreende, pois da união de facto não decorre qualquer dever de assistência, idêntico ao que a lei impõe aos cônjuges no art. 1675.º» – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 21 de Junho de 2005, Proc. 1456/05 (Coelho de Matos), disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do STJ de 23 de Setembro de 1999, 84.
Em segundo lugar, manifestam-se dúvidas sobre a constitucionalidade do artigo 41.º, n.º 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, por introduzir uma diferenciação entre os regimes da união de facto e do casamento, face aos princípios da igualdade e da proporcionalidade. Mas a conformação legislativa, estabelecendo esta diferenciação, não viola nem o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade, pois as situações matrimoniais e as situações de união de facto, embora socialmente apresentem afinidades, em termos jurídicos, distinguem-se em vários aspectos, justificando, por isso, um tratamento diferenciado. Na verdade, com o casamento, os cônjuges contraem deveres jurídicos, cujo incumprimento acarreta sérias consequências, inclusivamente, de natureza patrimonial, o que não sucede na união de facto, pelo que, enquanto o cônjuge sobrevivo goza do direito à herança, a pessoa sobreviva da união de facto só, condicionalmente, tem direito a alimentos da herança. De resto, a diferenciação de tratamento não pode considerar-se destituída de fundamento razoável, nem se baseia em critério arbitrário, atento o respectivo efeito jurídico, sendo aceitável, à luz da finalidade social prosseguida, o incentivo às relações matrimoniais.
Nesta linha, relativamente à alegada inconstitucionalidade do artigo 41.º, n.º 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, por violação do princípio da igualdade, a jurisprudência constitucional tem sublinhado que: a) na óptica deste princípio, a situação de duas pessoas que declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, intencionalmente, opta por o não fazer; b) o legislador constitucional não pode ter pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador infra-constitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a formulação de um regime jurídico próprio – por exemplo, distinguindo entre a posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge; c) a diferenciação de tratamento em causa na presente norma não pode, assim, ser considerada como destituída de fundamento razoável ou arbitrária, verificando-se, por outro lado, um indiscutível paralelo entre ela e o tratamento sucessório de ambas as situações (introduzido pela reforma de 1977).
Por seu turno, relativamente à pretensa inconstitucionalidade da mesma norma, por violação do princípio da proporcionalidade, a mesma jurisprudência constitucional acentua que: a) o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (como, por exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo a exclusão total de certos direitos); b) o recorte de um regime jurídico – como o da destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios – pela hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam intencionalmente submeter-lhe, tem necessariamente como consequência a exclusão dos respectivos efeitos jurídicos; c) o que importa apurar é se tal recorte é aceitável – se segue um critério constitucionalmente aceitável – tendo em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis, sem deixar de considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha dessas alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao legislador; d) o tratamento post mortem do cônjuge é, justamente, um daqueles pontos do regime jurídico em que o legislador optou por disciplinar mais favoravelmente o casamento; e) esta distinção entre a posição post mortem do cônjuge e a do companheiro em união de facto – que, aliás, podem concorrer entre si depois da morte do beneficiário – é adequada à prossecução do fim de incentivo à família fundada no casamento, que não é constitucionalmente censurável e antes recebe até (pelo menos numa certa leitura) particular acolhimento no texto constitucional; e) os requisitos para o direito à pensão de sobrevivência são diversos, dependendo, no caso de união de facto, e tal como em geral para o direito a alimentos nos termos do artigo 2020.º do Código Civil, de o unido de facto ter direito a obter alimentos da herança, por não os poder obter das pessoas referidas no artigo 2009.º do mesmo Código; f) não é só para o companheiro sobrevivo que existem condições específicas para ser reconhecido o direito à pensão: o ex-cônjuge ou



cônjuge separado de pessoas e bens só dela beneficia se tiver sido casado com o beneficiário pelo menos um ano e se na data da morte tiver direito a uma pensão de alimentos; os pais e os avós têm de estar “a cargo” do contribuinte à data da morte para terem direito a pensão, etc. E a pensão cessa quando os titulares do direito obtiverem outras fontes de rendimento; g) apenas ao cônjuge não são exigidas condições adicionais, pois os cônjuges estão ligados por específicos deveres de solidariedade patrimonial – o dever de assistência e, na constância do casamento, o dever de contribuir para os encargos da vida familiar (artigos 1672.º e 1675.º do Código Civil); h) diversamente, a união de facto não implica forçosamente deveres patrimoniais, ou uma geral solidariedade patrimonial, admitindo-se mesmo que quem vive em união de facto continue a ter direito a alimentos do ex-cônjuge ou, até, mantenha uma pensão de sobrevivência. Recorde-se, aliás, que os próprios diplomas que introduziram medidas de protecção das pessoas que vivem em união de facto não obrigaram os membros da união de facto a deveres de assistência recíprocos ou a deveres de alimentos em caso de ruptura, ou, sequer, alteraram os preceitos do Código Civil sobre alimentos em caso de morte; i) na solução normativa em apreço não se verifica qualquer «exclusão de plano, e em abstracto, do direito do convivente, por contraposição ao direito do cônjuge», pois a norma em questão «visou justamente, pelo contrário, conceder também protecção, pela extensão de prestações na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil»; j) o sentido da remissão para o artigo 2020.º do Código Civil, com a exigência de provar os requisitos exigidos neste normativo, mais não é do que «a prova, justamente, da necessidade de protecção da pessoa em causa, por não a poder obter dos seus familiares directos», sendo, portanto, coerente com o objectivo visado pela prestação social em causa: para o cônjuge, considerando os deveres de solidariedade patrimonial e a obrigação de alimentos em caso de ruptura, presume-se essa situação; para o caso da união de facto, é necessário fazer prova da necessidade de protecção, tal como quando se pretende obter alimentos; k) da exigência daqueles requisitos não resulta, assim, qualquer violação do princípio da proporcionalidade, sendo de notar, aliás, que, para além da possível conveniência em distinguir a posição do cônjuge, pode verificar-se também, no caso concreto, um problema de concurso entre aquele e o companheiro em união de facto – cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 88/04, de 10 de Fevereiro, 3ª Secção, Proc. 411/03 (Gil Galvão), n.ºs 159/05, de 29 de Março, 2ª Secção e 614/05, de 09 de Novembro, Plenário, ambos do Proc. 697/04 (Paulo Mota Pinto), disponíveis em www.tribunalconsttucional.pt, Acórdão do STJ de 16 de Setembro de 2008, Proc. 08A2232 (Fonseca Ramos), disponível em www.dgsi.pt






II

Relações com a Santa Sé em sede matrimonial

II A

No artigo 1.º do Protocolo Adicional à Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, celebrado em 15 de Fevereiro de 1975, acordou-se a modificação do artigo XXIV da Concordata de 7 de Maio de 1940, que passou a ter o seguinte teor: «Celebrando o casamento católico, os cônjuges assumem por esse mesmo facto, perante a Igreja, a obrigação de se aterem as normas canónicas que o regulam e, em particular, de respeitarem as suas propriedades essenciais. A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vínculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio». Como acentuou JORGE MIRANDA, “A Constituição e a Concordata: Brevíssima Nota”, cit., p. 107, «a celebração do Protocolo de 1975 (…) permitiu desdramatizar a questão (na altura muito discutida na opinião pública) do divórcio entre casados canonicamente como, de certa forma, legitimou a Concordata [de 1940]».

III
APADRINHAMENTO CIVIL
Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro, que define o apadrinhamento civil como «uma relação jurídica, tendencialmente de carácter permanente, entre uma criança ou jovem e uma pessoa singular ou uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento, constituída por homologação ou decisão judicial e sujeita a registo civil» (artigo 2.º). É admissível o apadrinhamento civil, desde que apresente reais vantagens para a criança ou o jovem e desde que não se verifiquem os pressupostos da confiança com vista à adopção, a apreciar pela entidade competente para a constituição do apadrinhamento civil, de qualquer criança ou jovem menor de 18 anos que esteja a beneficiar de uma medida de acolhimento em instituição ou de outra medida de promoção e protecção, que se encontre numa situação de perigo confirmada em processo de uma comissão de protecção de crianças e jovens ou em processo judicial e que seja encaminhada para o apadrinhamento civil por iniciativa do Ministério Público, da comissão de protecção de crianças e jovens, do organismo competente da segurança social ou de instituição por esta habilitada, dos pais, representante legal da criança ou do jovem ou pessoa que tenha a sua guarda de facto e da criança ou do jovem maior de 12 anos. Também poderá ser apadrinhada qualquer criança ou jovem menor de 18 anos que esteja a beneficiar de confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção ou a pessoa seleccionada para a adopção quando, depois de uma reapreciação fundamentada do caso, se mostre que a adopção é inviável (artigos 5.º e 10.º). Os padrinhos exercem as responsabilidades parentais, beneficiando os pais dos direitos expressamente consignados no compromisso de apadrinhamento civil (artigo 7.º), designadamente os previstos no artigo 8.º. O vínculo de apadrinhamento civil constitui – se por decisão do tribunal ou por compromisso de apadrinhamento civil homologado pelo tribunal (artigo 13.º). Os padrinhos e os afilhados consideram-se, respectivamente, ascendentes e descendentes em 1.º grau do afilhado para efeitos da obrigação de prestação de alimentos, sendo precedidos, respectivamente, pelos pais e filhos quando estejam em condições de satisfazer esse encargo (artigo 21.º). O vínculo de apadrinhamento civil constitui, sob pena de incapacidade para receber do seu consorte qualquer benefício por doação ou testamento, impedimento impediente à celebração do casamento entre padrinhos e afilhados, embora o impedimento possa ser dispensado pelo conservador do registo civil (artigo 22.º).
Há, em nosso entender, uma dissonância entre o fundamento da nova estrutura e os seus efeitos, designadamente, matrimoniais.
A lei afirma que o padrinho tem uma função substitutiva do progenitor. Atentos os casos em que o instituto poderá aplicar-se, é meritório o seu surgimento na nossa ordem jurídica. Porém, o padrinho não é um pai nem se aproxima de modo inequívoco do papel de um familiar: as palavras são eloquentes. Resta saber se, além de eloquentes, serão felizes… É desejável que quem desempenha papel familiar tenha uma relação de proximidade que as próprias palavras simbolizem, traduzam. Ora, o que confere a relação de proximidade aqui? O afecto, a homologação judicial ou a submissão a registo do mencionado “apadrinhamento”?
E que utilidade retira o legislador do impedimento impediente que resulta do Apadrinhamento? Que sabe o Conservador da vida pessoal de padrinho e afilhado para proceder a essa diligência?
Sobre a nova figura, cfr. JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito da Família Contemporâneo, 2.ª ed., AAFDL, Lisboa, 2009, pp. 722 e 723.



IV a

Divórcio

Veto presidencial disponível em www.parlamento.pt.
De 20.08.2008, disponível em www.presidencia.pt, por se entender que: a) na realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo subsistem múltiplas situações em que um dos cônjuges – em regra, a mulher – se encontra numa posição mais débil, fragilidade que a lei não deve agravar nem, por arrastamento, adensar a



desprotecção que indirectamente atingirá os filhos menores; b) para não agravar a desprotecção da parte mais fraca, o legislador deveria ponderar em que medida não seria preferível manter-se, ainda que como alternativa residual, o regime do divórcio culposo, a que agora se põe termo de forma absoluta e definitiva; c) o novo regime jurídico do divórcio pode vir a projectar-se sobre a própria vivência conjugal na constância do matrimónio, já que, em casos-limite, o novo regime, ao invés de promover a igualdade entre cônjuges, pode perpetuar situações de dependência pessoal e de submissão às mais graves violações aos deveres de respeito, de solidariedade, de coabitação, entre outros; d) as contribuições dadas para os encargos da vida conjugal e familiar são susceptíveis de gerar direitos de crédito sobre o outro cônjuge, sendo certo que, além de a vivência conjugal e familiar não estar suficientemente adaptada a uma realidade tão nova e distinta, podendo mesmo gerar-se situações de autêntica «imprevisão» ou absoluta «surpresa» no momento da extinção do casamento, o novo modelo de divórcio corresponde também a um novo modelo de casamento, no seio do qual são ou podem ser contabilizadas todas e quaisquer contribuições dadas para a vida em comum; e) desta visão «contabilística» do matrimónio emerge um paradoxo, uma vez que a filosofia global do casamento gizada pelo novo regime do divórcio corresponde a uma concepção do casamento como espaço de afecto, sendo certo que, a par desta visão «afectiva» do casamento, pretende-se que a seu lado conviva uma outra, dir-se-ia «contabilística», em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter uma «conta-corrente» das suas contribuições, e apenas a prática poderá dizer qual delas irá prevalecer; f) o desaparecimento da culpa como causa de divórcio não fará diminuir a litigiosidade conjugal e pós-conjugal, existindo boas razões para crer que se irá processar exactamente o inverso, até pelo aumento dos focos de conflito que o legislador proporcionou, quer no que se refere aos aspectos patrimoniais, quer no que se refere às responsabilidades parentais e aos inúmeros conceitos indeterminados que as fundamentam; g) é extremamente controverso, por aquilo que implica de restrição à autonomia privada e à liberdade contratual, o disposto no artigo 1790.º, segundo o qual «em caso de divórcio nenhum dos cônjuges pode, na partilha, receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos», por consubstanciar uma «revogação retroactiva» de uma opção livre e uma limitação que sempre virá beneficiar um dos cônjuges em detrimento do outro, impondo no momento da partilha de bens um regime distinto daquele que foi estabelecido de comum acordo.
Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.
Novamente sublinhados no comunicado do Presidente da República, de 21.10.2008, relativo à promulgação do Decreto n.º 245/X da Assembleia da República que deu lugar à Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, igualmente disponível em www.presidencia.pt.


V

INVALIDADES

Na versão inicial do Código Civil de 1966 não se falava (expressamente) em qualidades essenciais a propósito do erro vício, estatuindo o artigo 1636.º, que tinha igualmente por epígrafe o “Erro que vicia a vontade”, que «[o] erro que vicia a vontade só é relevante para efeitos de anulação quando recaia sobre a pessoa do outro contraente e consista no desconhecimento de algum dos seguintes factos:

a) A nacionalidade ou o estado civil diferente do que lhe era atribuído ou que ele se arrogava;
b) A prática, antes do casamento, de algum crime doloso punível com pena de prisão superior a dois anos, seja qual for a natureza desta;
c) A vida e costumes desonrosos antes do casamento;
d) A impotência funcional incurável, absoluta ou relativa, ou alguma deformidade física irremediável, já existentes ao tempo do casamento;
e) A falta de virgindade da mulher ao tempo do casamento».


Veja-se o que se passa em sede de vontade viciada ou de erro-vício. A lei evoluiu entre nós num sentido de erradicar os fundamentos de erro inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, ao banir a virgindade feminina alegada pela nubente como fundamento de invalidação do casamento por “erro sobre qualidades essenciais”. Esse foi, sem dúvida, o principal escopo da alteração que a Reforma de 1977 introduziu no artigo 1636.º do Código Civil. E, por esse motivo, substituiu o legislador a enumeração fechada (“taxativa”) dos casos de erro sobre qualidades essenciais por um critério de enumeração exemplificativa. O sentido da Reforma de 1977, porém, terá pretendido olhar mais adiante: compatibiliza-se bem melhor com a adequação ao respeito pela dignidade da pessoa, à igualdade dentro do casamento e ao carácter deste como instituição de descoberta da personalidade e desenvolvimento de um tipo de projecto de vivência, pois não deixa que esse propósito esmoreça gerando situações de estigmatização, de diminuição ou humilhação pública. Ora, é evidente que esse efeito decorre para o nubente contra quem se interpõe acção de invalidação do casamento. Deve, pois, tal hipótese circunscrever-se a casos contados e funcionar como última instância. Mas, vendo a doutrina subsequente, não é essa a solução que se encontra. Os autores assumem a cláusula aberta do artigo 1636.º, aberta em razão do pudor e móbil de evitar a linguagem a “esquecer” (virgindade feminina como valor aceite pelo Direito numa relação matrimonial), numa abertura de contemporização com o sistema anterior. Segundo esse sistema, não se pensa sequer à luz do casamento contemporâneo o elenco das invalidades. Sucede, contudo, que estas invalidades aqui plasmadas não são invalidades civis comuns, são invalidades jurídico-familiares. E a omissão de manejo de conclusões adaptadas à dogmática jusfamiliar é, estamos em crer, um erro, uma distorção do Direito da Família contemporâneo – cfr., por todos, PEREIRA COELHO/GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 232 e ss. Segundo os Autores, são essenciais as «qualidades particularmente significativas que, em abstracto, sejam idóneas para determinar o consentimento». Em razão da porosidade deste conceito que se pretende utilizar como complemento e critério de orientação para o preenchimento do conceito indeterminado «qualidades essenciais», os Autores chegam a uma conclusão perplexizante. Ali onde a Reforma de 1977 pretendeu ser mais exclusiva, restrita, mostra-se esta doutrina inclusiva e ampliadora. O que parece redundar numa perversão do sentido legislativo. Perversão, diga-se, em matéria legislada, tendo em conta a Constituição e o sentido amplo que se pretendeu conferir à autonomia da vontade dos nubentes. A conclusão, a partir desta tese, é inversa: o Tribunal poderá apreciar muito mais matérias do que seria de esperar; o Tribunal poderá interferir na privacidade das partes, nas opções dos nubentes, conhecendo de matérias onde a autonomia da vontade e a privacidade de cada nubente deveria ser a ultima ratio.
Pense-se no regime legal criado para o nubente que celebra matrimónio com o cônjuge de alguém que matou ou tentou matar, ou em cujo homicídio participou. Pense-se no regime legal das invalidades do casamento: por impedimento dirimente absoluto ou relativo e falta de vontade. A lei considera que três anos depois o casamento se convalida. E, no entanto, o homicídio pode ser um candidato à pena máxima, dependendo de circunstâncias de que se alheia o Código Civil.


IV b

DIVÓRCIO

“Se um dos cônjuges quer divorciar-se (mesmo que esse cônjuge seja o que, pelo seu comportamento, deu causa à separação de facto) compreende-se que a lei tutele o seu interesse, pois, decorrido determinado prazo, a esperança da reconciliação torna-se remota e a lei acha socialmente mais vantajosa a situação dos cônjuges divorciados do que a dos cônjuges separados de facto. Não basta a possibilidade de divórcio por mútuo consentimento, que um dos cônjuges pode não aceitar por muitas razões e, sobretudo, pelo desejo de prender o outro. Bem sei que entre essas razões está a esperança, que em um dos cônjuges ainda existirá apesar de tudo, de que o outro venha a restabelecer a vida em comum. E sei como é doloroso destruir a esperança de alguém. Mas a verdade é que o casamento não pode subsistir sem uma disposição comum dos cônjuges e que aquela esperança não é objectivamente fundada decorridos seis anos consecutivos de separação de facto. Esta é a verdade, e os cônjuges devem ter a coragem de a aceitar».







VI

MENORES

Veja-se o Acórdão do Plenário do TC n.º 359/1991, de 9 de Julho de 1991, Proc. 36/90 (Monteiro Dinis, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, tirado por maioria e contando com votos de vencido de MESSIAS BENTO, VÍTOR NUNES DE ALMEIDA, BRAVO SERRA, MARIA DA ASSUNÇÃO ESTEVES, FERNANDO ALVES CORREIA e JOSÉ MANUEL CARDOSO DA COSTA, no qual se decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Abril de 1987, publicado no Diário da República, I Série, de 28 de Maio de 1987, por força da violação do princípio da não discriminação dos filhos, contido no artigo 36.º, n.º 4, da Constituição», por excluir a aplicação das normas dos n.ºs 2, 3 e 4 de artigo 1110.º do Código Civil às uniões de facto, mesmo que destas haja filhos menores.